“Não procriem”: a síntese em duas palavras

 

Wilson Valentim Biasotto*

 

 

 

A leitura torna-se um hábito saudável que enleva o nosso espírito e arrebata-nos para muito além do corre-corre do dia-a-dia. Um bom livro deve ser fruído, no sentido de se extrair dele o máximo proveito. Um bom artigo, uma crônica ou até uma frase curta, são capazes de nos apontar rumos, revelar angústias, denotar os mais nobres ou os mais primitivos sentimentos.

Atualmente, com a avalanche de informações que recebemos, ou porque as procuramos ou porque nos atingem como num bombardeio vindo dos mais variados estrupícios, muitas vezes nos enfastiamos e deixamos escapar o belo, o profundo, a essência, por isso talvez seja interessante que nos afastemos um pouco do burburinho do dia-a-dia e procuremos avistar em horizontes mais distantes o retrato de nossa realidade.

Talvez essa necessidade humana de buscarmos as origens das coisas, de procurarmos o crescimento vertical, essa nossa propensão em não ficarmos restritos à superfície dos acontecimentos, explique porque muitos de nós aproveitamos as poucas oportunidades que temos para reler obras clássicas que nos façam lembrar que somos seres humanos capazes de refletir.

Particularmente, confesso: há mais de dez anos tenho à minha cabeceira “As cidades invisíveis” de Ítalo Calvino, livro que manuseio com certa freqüência na ânsia de captar uma mensagem ou compreender um símbolo. Difícil também passar umas férias sem que releia alguma obra de Machado de Assis, de preferência Dom Casmurro, e descobrir, a cada leitura, uma imagem nova, uma idéia diferente, uma frase lapidar.

Mas não é especificamente nos livros que encontramos os grandes ensinamentos, eles podem estar em qualquer parte, inclusive nos grafites dos muros ou nos cartazes e faixas que se levantam nos mais diferentes pontos do orbi, sejam em louvor ou em protesto e que podem muito bem sintetizar uma profunda reflexão ou a explosão vulcânica de um sentimento.

Não! Absolutamente! Não desejo comparar frases de livros com as dos muros.

Mas, convenhamos, tanto entre os eruditos como nas manifestações populares encontramos verdadeiras obras primas. Em Machado temos preciosidades, como a preferida por um impoluto cidadão douradense que responde pelo nome de Alaércio Abraão: “não julgueis os demais por vós”. Em “Cidades Invisíveis descobrimos que  “quem comanda a narração não é a voz: são os ouvidos”. Em relação ao primeiro caso podemos inferir que muitas vezes, para o bem ou para o mal, fazemos julgamentos precipitados e, no segundo, lamentamos que ao longo de nossa existência não tenhamos poupado tantos ouvidos com nossas palavras vãs.

Por outro lado vejamos a profundidade dessa frase: “Socorro, minha filha menstruou”. Ela foi escrita em um muro de São Paulo há quinze anos atrás, quem sabe um pouco mais. A frase, que mereceu citação em artigo na Folha de São Paulo que tratava sobre grafitagem é uma explosão vulcânica, como disse acima. De que outra maneira poderia defini-la? Um pai, provavelmente muito jovem, deu-se conta de si pela situação da filha que deixava a infância.

Desconfio que esse pai tenha fechado o olho e assistido ao filme de sua vida. Coisa de instantes que podem parecer uma eternidade. Perplexidade deve ter sido a sua reação. Perplexidade diante da inexorável passagem do tempo diante de sua alienação.

Essa outra frase eu a li em uma parede de supermercado em Catanduva, interior de São Paulo: “amar é descascar amendoim pra Rita na festa do peão em Barretos”.  Nem Machado, nem Ítalo Calvino poderiam definir o amor dessa maneira! E eu fico imaginando o pobre rapaz (que também deveria ser um rapaz pobre) sentadinho em um canto da barraca, enquanto Rita, saltitando de um lado para outro, como que a bailar alegre melodia, mostrava o sorriso largo para os compradores de amendoim e as cadeiras para o jovem apaixonado.

O espaço de uma crônica é reduzido, especialmente para aqueles que como eu são incapazes de sintetizar em uma frase sentimentos profundos, no entanto, como no enunciado mencionei livros, artigos, grafites e faixas, deixo para o leitor mais duas frases paradigmáticas endereçadas por seus respectivos autores ao PFL ao PSDB nesses tempos em que o PT autêntico e o governo Lula têm sido tão injuriados. A primeira é aquela do cartaz no casamento do filho de César Maia no Rio: “não procriem”, a segunda, escrita pelo renomado professor Emir Sader em artigo no noticias uol: “é necessário castrar os tucanos antes que povoem de novo o poder de Severinos”.

Moral da história: uma breve frase pode ser tão contundente quanto trezentas (trezentos) picaretas.

Seus comentários serão bem-vindos pelo site:  www.biasotto.com.br

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br